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31 março 2023

Live AOP: Carlos Eduardo Oliva: Laicidade e constitucionalidade inconstitucional do ensino religioso

No dia 30 de março de 2023 realizamos uma Live AOP com o professor, sociólogo e jurista Carlos Eduardo Oliva (UERJ-Colégio Pedro II), sobre a laicidade do Estado e a constitucionalidade inconstitucional do ensino religioso no Brasil.

Foi uma palestra muito interessante e muito agradável, que durou cerca de duas horas. O evento foi transmitido no canal Positivismo; foi também gravado e o vídeo está disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=eLHq89UdwJw.



 

09 outubro 2017

Gazeta do Povo: "Ensino religioso confessional, uma catástrofe anunciada"

A Gazeta do Povo publicou no dia 8 de outubro um artigo de minha autoria sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal em favor do ensino religioso confessional nas escolas públicas. Em minha opinião, essa decisão é catastrófica - aliás, daí a clareza com que exponho idéias que, geralmente e de outra maneira, apresentaria de maneira mais branda.

Felizmente, como a Gazeta do Povo tornou-se um jornal principalmente eletrônico, agora é possível escrever textos um pouco mais longos, em que se pode expor com um pouco mais de calma os argumentos e as questões de interesse.

O original encontra-se disponível aqui.

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Ensino religioso confessional, uma catástrofe anunciada

O ideal seria simplesmente suprimir da Constituição (e, por extensão, da LDB) a exigência de ensino religioso nos currículos das escolas públicas

Gustavo Biscaia de Lacerda  
[08/10/2017]  [10h00]

A recente decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o qual é constitucional o ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras, é desastrada – ou melhor, é catastrófica; não há como qualificá-la em termos mais brandos. Pura e simplesmente, a maioria da corte – composta, no caso, pela presidente do tribunal, a ministra Cármen Lúcia; pelo “filopetista” Ricardo Lewandowski; pelos petistas Edson Fachin e Dias Toffoli; e pelos paragovernistas Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes – errou e esse erro custará caro ao país, em diversos sentidos. Antes de prosseguirmos, convém notar que a maioria favorável ao ensino religioso confessional votou contrariamente ao parecer do relator, o ministro Luís Roberto Barroso (embora este tenha tido o apoio dos ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello).

Qual a polêmica? A possibilidade ou não de as aulas de Ensino Religioso nas escolas públicas terem um caráter laico ou confessional: no caso de serem laicas, seriam cursos que conjugariam história, filosofia e antropologia das religiões, com um caráter comparativo e científico; no caso de serem confessionais, seriam aulas ministradas por sacerdotes das várias religiões, mormente os cristianismos (católico, luterano e evangélicos de modo geral). Na opinião do Ministério Público Federal, que iniciou a ação em 2010, essa disciplina teria de ser laica, entendendo que a versão confessional feriria a laicidade do Estado e permitiria o proselitismo.

Qual a necessidade de inscrever na Constituição Federal a obrigatoriedade de lecionar uma disciplina qualquer?

A base para essa polêmica está na Constituição Federal de 1988, a que se segue, como consequência, a Lei 9.394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB): ambas citam expressamente a disciplina de “Ensino Religioso”, a ser ministrada nas escolas públicas nos horários regulares, embora com caráter facultativo. O que se deve notar é que a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 19 – como uma de suas cláusulas pétreas – a impossibilidade de o Estado professar, apoiar ou obstar qualquer fé ou doutrina religiosa, o que consiste precisamente na laicidade do Estado. Mas, ao mesmo tempo, a única disciplina expressamente citada na Constituição, no artigo 210, é a de Ensino Religioso: nem Português, nem Matemática, nem História, Geografia ou qualquer outra goza desse monstruoso privilégio. Deve-se notar que, se houvesse a necessidade de citar na Constituição alguma disciplina obrigatória, ela deveria ser a Língua Portuguesa, que, afinal de contas, é definida como a língua oficial da República (artigo 13).

E é mesmo um privilégio. Afinal de contas, qual a necessidade de inscrever na Constituição Federal a obrigatoriedade de lecionar uma disciplina qualquer? Será que havia, ou há, algum medo de que, sem a imposição da força do Estado, a “religião” perdesse influência social e política? Ora, ninguém tem medo de que a língua portuguesa vá “perder influência” social no Brasil; ou, por outra, ninguém teme que a matemática se torne um conhecimento obsoleto: por esses motivos, ninguém se deu ao trabalho estapafúrdio de torná-las disciplinas constitucionalmente obrigatórias.

Mas por que é “monstruoso” esse privilégio? Porque ele se utiliza da força do Estado para impor aos estudantes (jovens e adultos) as doutrinas teológicas, conforme ensinadas e propaladas pelos respectivos sacerdotes. Sem dúvida alguma os ministros do STF que defenderam o ensino religioso confessional observaram, todos, que esse ensino não pode ser proselitista; entretanto, a esse respeito, ou os ministros são ingênuos ou são ignorantes. Embora a decisão do STF seja federal, a disciplina de Ensino Religioso deve ser oferecida e regulamentada pelas redes municipais e estaduais de ensino; nesse sentido, há estados brasileiros que estabeleceram um Ensino Religioso claramente confessional, com sacerdotes fazendo concursos públicos para serem professores: é o caso do Rio de Janeiro, que, sabidamente, há décadas é governado por evangélicos (de direita ou de esquerda, tanto faz). É certo que também há estados que definiram o ensino religioso em bases laicas, como no caso exemplar de São Paulo. Entre esses dois extremos, as unidades da Federação definiram diretrizes “pluriconfessionais”, sempre com a restrição que veda o proselitismo; todavia, o mais das vezes essa limitação é pura letra morta, com padres e pastores (ou seus epígonos) fazendo pregação em sala de aula à custa do erário. Isso, é claro, para não falar dos crucifixos onipresentes nas escolas, nas orações (cristãs) antes das aulas etc. Nesses termos, a ressalva de que o ensino religioso não deve ser proselitista deve ser entendida meramente como uma forma de os ministros do STF terem um mínimo de paz de espírito enquanto violam claramente a laicidade do Estado.

Antes de prosseguirmos na argumentação mais teórica, convém notar que o caráter confessional do ensino religioso exigirá dos estados e municípios sacerdotes de todas as religiões professadas pelos alunos. Ora, isso é completamente impraticável: nenhuma escola poderá perder tempo procurando sacerdotes de cada uma das religiões dos seus alunos. Problemas arquiconhecidos, como o absenteísmo dos professores, as questões salariais, a violência nas escolas, as instalações precárias, o baixo aproveitamento dos alunos e muitos outros ocupam à exaustão o dia a dia das escolas: a procura de sacerdotes é um incômodo que diretores e pedagogos das escolas não quererão ter. A consequência disso, sem dúvida, é que buscarão apenas dois ou três sacerdotes, provavelmente um padre católico e um pastor de alguma seita evangélica: alunos de outras religiões (incluindo aí os que não têm religião) serão forçados a aceitar a solução imposta pelo menor esforço. Esses sacerdotes, além disso, a despeito de suas divergências teológicas, organizar-se-ão em associações de professores de Ensino Religioso e passarão a atuar como grupos de pressão no sentido de tornarem-se funcionários públicos, como ocorre no Rio de Janeiro.

Do ponto de vista pedagógico, mesmo que seja “facultativo” o ensino religioso, e mesmo que se diga que ele não deve ser proselitista, o fato é que ele criará uma distinção profundamente danosa para os alunos, geradora de exclusão e preconceito – exatamente o oposto do que se pretende para a escola, pública ou não. Por que terá esses efeitos? Porque, como a maioria dos alunos é (nominalmente) cristã, alunos que professam outras doutrinas não participarão das atividades da maioria: se a preocupação com a aceitação coletiva é grande entre os adultos, entre crianças e adolescentes é gigantesca. Quem não participar das atividades da maioria será e sentir-se-á excluído, percebido como alguém “de fora”, que não participa da coletividade que é a turma. Em vez de integrar, haverá exclusão; para evitar essa exclusão, muitos alunos fingirão professar uma fé que, na verdade, não professam: hipocrisia institucionalizada e incentivada pelo Estado. Isso não é uma simples hipótese: é prática corrente em escolas do país inteiro; notícias de discriminação religiosa realizada entre alunos – quando não estimulada francamente pelos professores – são lidas todos os dias nos meios de comunicação.

Voltemos à argumentação dos ministros do STF. Os defensores do ensino religioso confessional consideraram que o modelo laico não seria apropriado devido a duas ordens gerais de motivos sociológicos: em termos históricos, o catolicismo teria tido uma importância central na formação do país, devendo-se valorizar e respeitar esse legado; em termos atuais, a maioria dos brasileiros é cristã ou, de qualquer maneira, professa alguma religião. Esses dois fatos estão vinculados e, sem dúvida, são verdadeiros: o problema consiste em deduzir deles qualquer política pública. Alguns ministros do STF disseram que a laicidade não pode ser entendida como a proibição das manifestações públicas dos valores religiosos; daí a defesa do ensino religioso confessional.

Ora, de fato, a laicidade não proíbe a manifestação pública dos valores e das práticas religiosas; bem ao contrário, é precisamente a laicidade que garante a liberdade às religiões quaisquer para manifestarem-se em público. A história do Brasil – que foi usada como esteio para a defesa canhestra do ensino religioso confessional – é a maior prova de que a laicidade é a garantia das liberdades: a primeira Constituição do Brasil foi a imperial, de 1824. Nela afirmava-se o catolicismo como a religião oficial, permitindo-se o exercício privado de outras religiões. O que significa o “exercício privado” de outras religiões? Os adeptos de outras crenças poderiam realizar seus cultos em suas casas; até poderiam ter seus próprios templos, desde que esses templos não tivessem o “aspecto exterior” de templos, ou seja, desde que não rivalizassem com as igrejas católicas. Além disso, os registros de nascimento, casamento e óbito, bem como a administração dos cemitérios, cabiam todos à Igreja Católica; apenas católicos podiam ser registrados como nascidos, casados e mortos, além de enterrados em cemitérios oficiais.

Valorizar a história não é o mesmo que a aceitar passivamente, como dão a entender os ministros da mais alta corte do país. Um exemplo banal, ainda que polêmico: em suas obras infantis, Monteiro Lobato expressou, por meio da Emília, ideias e valores que hoje chamamos de preconceituosas, denegrindo Dona Benta, que era negra. Embora haja diversos movimentos sociais favoráveis à exclusão desses belos livros das bibliotecas públicas, ou seja, a favor da censura, o mais correto é manter esses livros nas bibliotecas e nos currículos, ao mesmo tempo em que, nas salas de aula e nos textos que circulam pela sociedade, faz-se a contextualização das palavras da Emília, o reparo de que são palavras injuriosas etc. Aliás, o mesmo pode ser dito a respeito da Bíblia: nela há dezenas de passagens assustadoras, como apostas entre Deus e o diabo, o elogio da escravidão, do genocídio, da venda de filhos, do assassinato de primogênitos etc.; ou, então, com prescrições que hoje consideramos risíveis, como a impossibilidade de comer frutos do mar; mesmo as supostas mensagens de amor do essênio Jesus Cristo eram dirigidas aos seus irmãos judeus, tendo sido necessário que Paulo de Tarso (re)inventasse o mito de Cristo para que sua religião fosse propagada. Em suma: respeitar o papel histórico de Monteiro Lobato ou até da Bíblia e do catolicismo não equivale a aceitar suas observações como válidas perenemente.

O argumento demográfico é o mais perigoso e o mais especioso. Afirmar que a maioria da população brasileira é cristã, ou, de modo equivalente, que ela tem crenças “religiosas” é o primeiro passo para acabar com a laicidade, ou seja, para instituir a religião oficial de Estado: esse é o primeiro – na verdade, o único – argumento de quem é contrário à laicidade. Mas esse argumento estabelece que o mero peso numérico de uma determinada crença torna aceitável que ela seja imposta a todos os indivíduos em matérias de foro íntimo. Mais do que isso: esse raciocínio estabelece que o mero peso numérico de uma concepção estabelece a verdade, a realidade dessa concepção. Dessa forma, porque caso (digamos) 99% dos brasileiros acreditem que todas as maçãs são rosa-choque, o 1% restante também deverá necessariamente acreditar nisso. Em outras palavras, são as liberdades de pensamento e de expressão que estão em jogo aí: não é precisamente esse um dos argumentos do movimento “Escola sem Partido” (o fato contraditório de que esse movimento é favorável ao ensino religioso confessional diz bastante a seu respeito)? Afastando-nos um pouco do Brasil: não é exatamente esse o raciocínio dos líderes muçulmanos do Estado Islâmico, da Arábia Saudita e de outros lugares?

Valorizar a história não é o mesmo que a aceitar passivamente, como dão a entender os ministros da mais alta corte do país

 Assim, o que subjaz ao “argumento demográfico” é uma concepção profundamente equivocada do que significa o “governo pela opinião pública”. Essa concepção postula que a “opinião pública” é a mera soma aritmética dos humores individuais a respeito de algum assunto, em algum momento – e que tal soma tem valor normativo. Diga-se de passagem, esse mesmo raciocínio serviu de base para a recente e desastrada iniciativa de um ministro do Supremo Tribunal de Justiça para avaliar, na internet (!), o apoio popular a uma eventual intervenção militar na República.

Justamente ao contrário, o “governo pela opinião pública” consiste em que as ações dos governantes têm de se pautar pela moralidade humana e pela busca do bem comum, com políticas e valores universais, universalistas e includentes, assim como pelo diálogo com a sociedade. Sem dúvida que o escrutínio público contínuo das ações governamentais integra o “governo da opinião pública”, mas, como estamos vendo, a parte mais importante deste conceito consiste em que as diretrizes políticas dele decorrentes não ficam à mercê de humores momentâneos das disputas políticas, nem consistem em versões gigantescas do assembleísmo. A crítica à laicidade é feita justamente por intelectuais e grupos que, embora digam-se “populares” ou “progressistas”, na verdade são excludentes, particularistas e que buscam a obtenção do poder, para imporem seus valores.

Assim, a laicidade é um dos parâmetros fundamentais do “governo pela opinião pública”; como observamos antes, ela garante as liberdades de pensamento e de expressão e evita que questões de foro íntimo sejam impostas pelo Estado e/ou decididas pelo peso numérico dos demais concidadãos. Não é à toa que, integrando o artigo 19 da Constituição Federal de 1988, ela é uma cláusula pétrea da nossa pólis.

Face a isso, é claro que o ideal seria simplesmente suprimir da Constituição (e, por extensão, da LDB) a exigência de ensino religioso nos currículos das escolas públicas; mas, como isso é virtualmente impossível no Brasil atual, a solução menos daninha é, ou seria, implantar um ensino religioso laico. Como o STF decidiu em contrário, tendo à frente no clericalismo de Estado os ministros Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, as perspectivas sociais e políticas que se descortinam para o país são as piores possíveis: é um completo desastre que se anuncia.


Gustavo Biscaia de Lacerda é doutor em Teoria Política e sociólogo da UFPR.

22 outubro 2015

Laércio Becker: "Escola sem partido - e sem igreja"

Reproduzo abaixo um texto de meu amigo Laércio Becker a respeito do projeto de lei sobre a "Escola sem Partido" (ver esta matéria da Gazeta do Povo). 

É um artigo claro, sucinto e que vai diretamente ao ponto.

O original foi publicado em 22.10.2015 no portal Recanto das Letras e está disponível aqui.

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Escola sem partido - e sem igreja
Laércio Becker                               

Na década de 90, quando se discutia o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), os grupos mais afeiçoados à esquerda lutaram contra a implantação do ensino religioso nas escolas públicas.


Na década atual, há vários projetos de leis estaduais, municipais e um nacional, inspirados pelo movimento de perfil conservador Escola sem Partido, contra a doutrinação ideológica nas escolas públicas.


Se vocês buscarem a argumentação de ambos os grupos, verão que o raciocínio é basicamente o mesmo; só muda o objeto do debate. 


Vale dizer: nas escolas públicas, a esquerda não quer ensino religioso mais ou menos pelo mesmo motivo básico que a direita não quer doutrinação ideológica. E esse motivo básico é: precisamos “purificar” o ensino público.


No entanto, em regra, quem não quer ensino religioso defende a doutrinação ideológica (ao argumento da liberdade de cátedra), enquanto quem não quer doutrinação ideológica defende o ensino religioso (ao argumento da liberdade de crença). 


É como se um grupo fosse o negativo da foto do outro.


De minha parte, acho que ambos os grupos estão parcialmente corretos. A escola pública é custeada pelo Estado, que não deveria patrocinar ideologias nem religiões. Se o governante tem partido e religião, bom para ele, mas o Estado não deveria ter. 


Mas que fique claro, estamos falando das escolas públicas. Que, no Brasil, em regra, são a opção para quem não tem opção. Justamente por isso é que seria uma covardia impor-lhes uma ideologia ou uma religião.


Quem quer que seus filhos virem militantes do Partido ou obreiros da Igreja, que busque as escolas particulares com o respectivo viés. Por quê? Porque doutrinação ideológica e proselitismo religioso não são atribuições do Estado. Então, não podem ser oferecidas pelo Estado, muito menos dele demandadas. Por isso, quem quer doutrinação ideológica e proselitismo religioso deve buscá-los fora do Estado, nas escolas privadas.


A escola pública não deveria ser diretório de partido político - nem templo religioso.


Suas salas não deveriam ser palanques - nem púlpitos.


Suas aulas não deveriam ser comícios - nem cultos.


Seus professores não deveriam ser cabos eleitorais - nem missionários.


Simples assim.

28 junho 2015

Depoimento de Luís Antônio Cunha sobre ensino religioso laico

Reproduzo abaixo o depoimento do Prof. Dr. Luís Antônio Cunha, Professor da Universidade Federal Fluminense e diretor do Observatório da Laicidade na Educação (OLÉ), apresentado na audiência pública convocada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, a respeito do caráter laico ou confessional do ensino religioso público obrigatório, que ocorreu no dia 15.6.2015

O original também pode ser lido a partir da página do OLÉ, aqui.

Da mesma forma, é possível assistir às apresentações aqui.

Não é demais lembrar que nessa audiência houve, arbitrariamente, uma super-representação de entidades teológicas, assim como de entidades jurídicas. A Igreja Positivista de Porto Alegre, bem como eu mesmo, solicitamos sermos ouvidos e, sem nenhuma justificativa, tivemos os pedidos recusados.

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Excelentíssimo Sr. Ministro Luís Roberto Barroso,

O Centro de Estudos Educação e Sociedade, criado em 1979 por iniciativa de professores da UNICAMP, e o Observatório da Laicidade na Educação, criado em 2003 por iniciativa de professores da UFRJ entendem que a existência da disciplina Ensino Religioso nas escolas públicas é um retrocesso na construção da República em nosso país. Nesse ponto, a Constituição de 1988 é pior do que a de 1891.

No tempo de Saldanha Marinho, Benjamin Constant e Rui Barbosa, a laicidade era reivindicada sobretudo pelas elites intelectuais. Hoje, além delas, importantes setores do Estado e dos movimentos sociais inserem nas suas pautas a laicidade, inclusive na educação pública. Na culminância de um processo que, em dois anos, teve a participação de mais de um milhão de pessoas, o documento final da Conferência Nacional de Educação, aprovado em dezembro de 2014, preconizou a reforma da Constituição para suprimir dela o Ensino Religioso. A curto prazo, defendeu o fim da apropriação privada dos espaços educativos públicos por pessoas ou grupos vinculados às instituições confessionais. A finalidade é garantir aos alunos o direito à liberdade religiosa e o de não professar religião alguma. Ou seja, o fim do proselitismo religioso ostensivo ou dissimulado nas escolas públicas.

Deixemos para outra hora pleitear o fim do Ensino Religioso na escola pública. A Constituição determina sua oferta como disciplina no Ensino Fundamental, na forma facultativa, e este será o limite de nosso depoimento. Eis a contribuição que queremos oferecer a este Tribunal: um panorama da situação objetiva do ensino religioso nas escolas públicas, ou seja, fatos, não doutrinas.

O lugar de que falamos é interior ao campo educacional, especificamente o dos sistemas públicos de educação, cuja finalidade é propiciar o acesso de todos à cultura erudita e à ciência. Isso só a escola pública pode fazer. A não ser pessoas raras, em situações excepcionais, quem não teve acesso à cultura erudita e à ciência na escola para todos, não as alcançará na empresa, na igreja nem em outro lugar qualquer. E a escola pública vai mal. Precisa usar judiciosamente cada grão de tempo, de recursos materiais e humanos para a consecução de seus objetivos próprios, sem ser instrumentalizada como força auxiliar dos mercados, sejam econômicos, profissionais ou religiosos. Daí que uma disciplina especificada na Constituição como facultativa não pode ser tratada, na prática, como obrigatória.

Os dados da Prova Brasil são eloquentes quanto à obrigatoriedade de fato do Ensino Religioso. Os questionários respondidos pelos diretores em 2013 foram computados pela Profa. Mariane Koslinski, do Grupo de Estudos dos Sistemas Educacionais da UFRJ, que dimensionou para todo o país o que pesquisas pontuais já haviam sinalizado: 70% das escolas públicas de Ensino Fundamental ministravam aulas de Ensino Religioso. Dentre as que o faziam, 54% confessaram exigir presença obrigatória; e 75% não ofereciam atividades para os alunos que não queriam assistir a essas aulas. É preciso prova mais contundente da obrigatoriedade de fato para uma disciplina facultativa de direito?

Dir-se-á que os alunos e seus pais são indagados sobre o desejo de Ensino Religioso. Ora, as perguntas que lhes chegam, quando chegam, não permitem boas respostas. A propósito, em meados do século XIX, Pierre Joseph Proudhon criticava o sufrágio universal, para ele um artifício para levar o povo a dizer não o que pensava, mas o que os dominantes queriam que ele dissesse. E foi ainda mais categórico ao afirmar que o sufrágio universal era o meio mais seguro para levar o povo a mentir. Passado século e meio, mudou o mundo, mudou o povo e mudou o sufrágio universal, de modo que o pessimismo de Proudhon já não encontra o mesmo respaldo na realidade.

Mas, o artifício manipulador persiste ativo, mesmo inconsciente. É o caso da indagação – O Sr ou a Sra quer que seu filho tenha aula de Ensino Religioso? A pergunta correta seria: O Sr ou a Sra prefere que seu filho tenha aula de Ensino Religioso ou de (por exemplo) uma língua estrangeira ou reforço de Matemática? Esta, sim, seria uma pergunta propiciadora de escolha inteligente e pedagogicamente significativa para o aluno, não aquela indagação abstrata, que daria razão à crítica do político francês. Os pais não têm como saber que, para o filho ter aula de Ensino Religioso algum conteúdo ou alguma atividade foi suprimida ou reduzida, ou, então, se o tempo puder ser estendido, como fazê-lo melhor aproveitado? Para enxertar uma aula de Ensino Religioso ou para ampliar e reforçar o que somente na escola se aprende?

A correta gestão da educação pública precisa usar bem todos os recursos a sua disposição, que estão longe do mínimo necessário e do adequado emprego. Como, então, ter o Ensino Religioso professores formados em licenciatura específica, se a disciplina é para ser mesmo facultativa? Os alunos optantes podem ser muitos hoje, menos amanhã, novamente muitos mais tarde, pouquíssimos em outro momento. A necessidade de professores será estimada para o mínimo? O médio? O máximo? Impossível prevê-la com objetividade e responsabilidade. A única solução inteligente, nessa condição, é a empregada pelo sistema estadual paulista, de destinar à docência do Ensino Religioso os professores do quadro licenciados em História, Filosofia e Ciências Sociais, como prescreveu a Deliberação nº 16/2001 do seu Conselho Estadual de Educação. Como os professores de Filosofia e de Ciências Sociais somente são generalizadamente requeridos no Ensino Médio, endossamos o emprego dos licenciados em História no Ensino Fundamental. O emprego deles na disciplina correspondente e no Ensino Religioso propiciaria alguma flexibilidade.

A rigidez da licenciatura específica criaria uma espécie de reserva de mercado perdulária em termos econômicos e funcionais, além de servir de força indutora para a compulsoriedade de fato da disciplina em foco. Atenção para a lei dos mercados de Jean-Baptiste Say: a oferta cria sua própria demanda. Essa lei empírica vale também para o mercado de trabalho, até mesmo para o de professores, inclusive os de Ensino Religioso. Professores com licenciatura específica e a inclusão dessa disciplina nas 800 horas mínimas do Ensino Fundamental constituem ardilosos artifícios indutores de sua obrigatoriedade de fato, contrariando o disposto na Constituição. Aliás, dez unidades da Federação já definiram que a carga horária dessa disciplina não integrará o mínimo das 800 horas: Amapá, Bahia, Sergipe, Espírito Santo, Goiás, Pará, Pernambuco, Piauí, Rondônia e São Paulo.

A extensão do mercado para o Ensino Religioso prossegue nos sistemas educacionais de estados e municípios, favorecida pela anomia jurídica em torno da matéria, apenas dependente das correlações de forças político-eleitorais. O que a Constituição Federal determinou apenas para o Ensino Fundamental há estados que estenderam para toda a Educação Básica (Educação Infantil + Ensino Fundamental + Ensino Médio). Outros prescreveram que o Ensino Religioso seja ministrado como tema transversal, o que o torna obrigatório, tanto para os alunos quanto para os professores. Ao fazer do Ensino Religioso tema transversal para os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, a mesma Resolução nº 16/2001 do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, evocada há pouco, cometeu um duplo erro – de caráter legal e pedagógico –, que não foi compensado pelo realismo mostrado pela Resolução nº 21/2002 da Secretaria Estadual de Educação ao destinar a disciplina apenas para os alunos do último ano do Ensino Fundamental.

A anomia jurídica chegou a ponto de a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, reformada em 1997, qualificar o Ensino Religioso nas escolas públicas de integrante da formação básica do cidadão. A recusa admitida pela Constituição implicaria uma formação incompleta? ou defeituosa? Em direção bem diferente, Ética e Cidadania foi reivindicada pela Conferência Nacional de Educação para todos, não só para os alunos das escolas públicas. E menos ainda como alternativa para os não optantes do Ensino Religioso, como pretendem certos projetos de lei em tramitação no Congresso. Correto foi o Parecer nº 1/2012, do Pleno do Conselho Nacional de Educação, ao instituir as Diretrizes Nacionais para a correlata Educação em Direitos Humanos, esta sim, como tema transversal, não como disciplina; e para todos, em todos os níveis e modalidades dos estabelecimentos de ensino públicos e privados; e tendo a laicidade como um dos princípios orientadores.

Na disposição sobre a alternativa aos alunos não optantes pelo Ensino Religioso, o Estado de Goiás apontou o caminho. A Resolução nº 285/2005 do Conselho Estadual de Educação goiano ordenou que aos não optantes pelo Ensino Religioso fossem oferecidos “outros conteúdos de educação geral”. A despeito da imprecisão dos termos, a direção é correta.

Sem embargo de outras medidas pertinentes, as sugestões que trazemos para a interpretação pedida pela ADI 4.439 podem ser sintetizadas em nove pontos:

(i) A obrigatoriedade de fato do Ensino Religioso nas escolas públicas, mediante a indução dos alunos e seus pais a aceitarem tal disciplina como se fosse compulsória, deverá ser severamente coibida. Tal indução deverá ser tipificada como crime contra a liberdade de consciência – esta sim, cláusula pétrea da Constituição.

(ii) Enquanto o Ensino Religioso estiver previsto na Constituição, que ele seja ministrado apenas no Ensino Fundamental, como ela manda, abstendo-se os sistemas estaduais e municipais de estendê-lo para a Educação Infantil e o Ensino Médio. As constituições e leis que projetaram tais extensões deverão ser corrigidas.

(iii) A Constituição determina que o Ensino Religioso seja ministrado como disciplina, portanto ele não poderá ser ofertado como tema transversal.

(iv) Como essa disciplina não pode ser proselitista, que ela seja ministrada apenas aos alunos de mais idade, os do último ano do Ensino Fundamental, mais capazes do que os mais jovens de evitar intentos doutrinadores remanescentes.

(v) Pela óbvia conotação proselitista, a modalidade confessional do Ensino Religioso deverá ser proibida e, consequentemente, suprimido o artigo 11 da concordata Brasil-Vaticano.

(vi) A possibilidade concreta de opção pelo Ensino Religioso somente poderá se materializar pela oferta de alternativas pedagogicamente significativas a essa disciplina, que o Conselho Nacional de Educação saberá definir. Se não existirem tais alternativas, o Ensino Religioso não poderá ser oferecido.

(vii) A disciplina Ensino Religioso não deverá ser incluída no cômputo das 800 horas mínimas do Ensino Fundamental.

(viii) O magistério dessa disciplina deverá ser exercido por professores licenciados em História, sem exigência de curso adicional ou credenciamento de instituição religiosa. Não tem cabimento a substituição destes por licenciados em Ensino Religioso, Ciências da Religião ou Teologia.

(ix) A qualificação do Ensino Religioso nas escolas públicas como integrante da formação básica do cidadão deverá ser suprimida do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Esse o nosso entendimento, estas as nossas sugestões a V. Excia.

Muito obrigado.
*


Depoimento de Luiz Antônio Cunha, em nome do CEDES e do OLÉ, em Brasília, em 15/6/2015, na Audiência Pública sobre o Ensino Religioso nas escolas públicas, no Supremo Tribunal Federal, promovida pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator da ADI 4.439.

17 junho 2015

Resumos das exposições sobre a audiência sobre ensino religioso confessional

Indico abaixo várias matérias produzidas pela assessoria de comunicação do Supremo Tribunal Federal ao longo do dia 15.6.2015 a respeito da audiência sobre ensino religioso obrigatório confessional.

Como são muitas matérias, não as reproduzirei integralmente; apenas indicarei os títulos e os vínculos.

Alguns comentários gerais.

Evidentemente, os grupos humanistas acadêmicos e da sociedade civil puseram-se contrários tanto ao ensino religioso obrigatório quanto ao ensino confessional. Entram nessa categoria cinco ou seis expositores, o que revela uma concordância generalizada contra o clericalismo pedagógico.

É digno de nota que também judeus, batistas e espíritas são completamente contrários ao ensino religioso obrigatório e, ainda, ao confessional.

Os representantes dos chamados cultos afrobrasileiros e da ioga foram ambivalentes, ao proporem que o ensino religioso contemple todas as religiões. O representante do budismo, segundo a matéria, foi genérico e não expôs de verdade nenhuma posição a respeito do tema em pauta.

Os representantes das Assembléias de Deus não tiveram unidade de idéias: dois foram fortemente contrários ao ensino confessional e outro foi favorável.

Os católicos, os muçulmanos, a Igreja Universal e - pasme-se! - a Câmara dos Deputados (!!!) são a favor do ensino religioso obrigatório e confessional. A "Frente Parlamentar Mista em Defesa da Família" - nome pomposo que aglutina os teológicos monoteístas no Congresso Nacional - também defendeu o clericalismo. O Conselho Nacional de Secretários de Educação foi ambíguo a respeito, tendendo a ser favorável ao clericalismo pedagógico.

Não se entende porque houve dois representantes católicos (CNBB e Arquidiocese do Rio de Janeiro), três representantes das Assembléias de Deus (Igreja de Belém e Convenção Nacional), dois representantes judeus (Juristas Brasil-Israel e Confederação Israelita), além de vários grupos jurídicos.

Inversamente, a Igreja Positivista do Brasil e a Igreja Positivista de Porto Alegre - que pleitearam representação na audiência e que desde sempre são algumas das mais importantes defensoras da laicidade do Estado - tiveram negadas suas representações.

Por fim, deve-se notar que, contrariamente ao que afirmou o representante batista, a proclamação da República em 1889 acarretou imediatamente a laicização do Estado e a inexistência de ensino religioso público, obrigatório ou não, confessional ou não. Essa disciplina só passou a existir após 1930, devido à pressão da Igreja Católica, na pessoa do cardeal Sebastião Leme, que conduzia desde 1916 o movimento da "neocristandade". 

Além disso, foi devido à pressão da Igreja Católica e dos evangélicos na Constituinte de 1987-1988 e da ação de Ulisses Guimarães, que há a referência ao "deus" no "Preâmbulo" da Constituição e a previsão constitucional de ensino obrigatório de uma única disciplina, que é a de "religião".

Abaixo, as matérias do STJ:

Ministro Roberto Barroso abre audiência pública sobre ensino religioso nas escolas públicas

Expositores iniciam apresentações na audiência pública sobre ensino religioso

Ensino religioso: no período da manhã, 14 entidades se pronunciam na audiência pública

Audiência pública sobre ensino religioso prossegue à tarde com 17 expositores

Mais especialistas expõem seus argumentos na audiência pública sobre ensino religioso

Expositores concluem apresentações na audiência pública sobre ensino religioso

Ministro Barroso encerra audiência pública e destaca enriquecimento intelectual proporcionado pela discussão

É possível assistir às exposições aqui: https://www.youtube.com/user/STF.

Resultados da audiência sobre ensino religioso

Reproduzo abaixo matéria publicada pela revista eletrônica Consultor Jurídico, sobre a audiência pública realizada em 15.6.2015 pelo Ministro Luís Roberto Barroso, sobre a constitucionalidade do ensino religioso público obrigatório confessional. O original pode ser lido aqui.

De qualquer maneira, devo admitir que fico muito, muito, muito satisfeito com a referência que o "consultor jurídico" da Câmara dos Deputados fez ao positivismo comtiano (em destaque meu, no final do texto). Na verdade, é uma honra, é um grande elogio e um grande reconhecimento afirmarem que o Positivismo é pela laicidade do Estado - mesmo que o "consultor jurídico" tenha feito a referência em tom acusatório.

Tenho apenas duas dúvidas:

(1) Por que é que um "consultor jurídico" da Câmara dos Deputados manifestou-se contra o ensino laico? O ensino confessional - ou seja, a imposição carola de uma crença para-oficial - é a posição oficial da Câmara?

(2) Quando foi que o Positivismo tentou ir contra a Constituição para "banir o ensino religioso"? Gostaria muito que ele mostrasse de onde tirou essa bobagem; é uma observação sofística, do tipo "é verdade que você não bate na sua esposa?", em que se nega apenas para afirmar sub-repticiamente.

O Positivismo sempre foi muito claro que isso não é matéria constitucional; na verdade, a Constituição de 1988 obriga as redes de ensino a terem uma única disciplina, que é religião (nem português, nem matemática são obrigatórios segundo a Constituição!): isso, evidentemente, é o resultado da pressão dos grupos de pressão católicos e evangélicos.

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AUDIÊNCIA PÚBLICA

Barroso promete liberar ação do ensino religioso no segundo semestre

O ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a ação direta de inconstitucionalidade que questiona a legalidade do ensino religioso nas escolas da rede pública deverá ser julgada já no segundo semestre deste ano.
Ele promoveu uma audiência pública sobre o tema nessa segunda-feira (15/6), em Brasília. Após ouvir posicionamentos de diversas entidades favoráveis e contrárias à inclusão dessa disciplina na grade curricular das instituições de ensino, ele afirmou estar mais apto para julgar. “Pessoalmente saio daqui muito mais capaz de equacionar as questões tratadas no processo do que antes da audiência”, afirmou.
Audiência convocada por Barroso confrontou correntes que defendem ensino religioso laico e confessional.
Fellipe Sampaio/SCO/STF
O ministro esclareceu que o questionamento feito na ADI restringe-se às escolas públicas. Portanto o julgamento não vai interferência nas instituições privadas, que poderão continuar ministrando livremente o ensino religioso confessional a quem se interessar. De acordo com o ministro, a audiência pública foi importante em razão dos valores constitucionais tratados na ação: a liberdade religiosa, o Estado laico e a previsão constitucional expressa de que haja ensino religioso nas escolas públicas.
A ADI em curso no STF foi ajuizada pela Procuradoria Geral da República, que defende que o ensino religioso seja ministrado de forma laica, sob um contexto histórico e abordando a perspectiva das várias religiões. A ação visa a conferir interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e ao acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (Decreto 7.107/2010).
Participaram da audiência 31 entidades. Uma delas foi o Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação. O representante Luiz Roberto Alves destacou que o artigo 33, da Lei de Diretrizes Básicas da Educação (Lei nº 9.394/96), estabelece que o ensino religioso é parte integrante da formação básica do cidadão. Por isso, deve ser ministrado de forma laica. “Deve ser um estudo aberto, criativo e autônomo do fenômeno cultural da religião ou das formas de religiosidades, portanto plenamente ligado ao ético, estético, linguístico e ao científico”, afirmou.
Para Gilbraz Aragão, representante do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o ensino religioso, em um estado laico como o Brasil, se justifica “pela necessidade de formação de cidadãos críticos e responsáveis, capazes de avaliarem as notícias religiosas em seu contexto, sem imposição de doutrinas e, portanto, de natureza não confessional”.
Já Wilhelm Wachholz, representante da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião, defendeu proposições que busquem consolidar o ensino religioso não confessional como direito do cidadão em favor da promoção da liberdade religiosa e de uma sociedade democrática e ética.
Na avaliação do advogado Gilberto Antonio Viana Garcia, do Instituto dos Advogados Brasileiros, o Brasil não pode financiar o ensino de qualquer confissão religiosa em específico, e deve inevitavelmente adotar o modelo não confessional. De acordo com ele, é um dever do Estado resguardar e proteger todas confissões religiosas.
Divergências
Na opinião do membro da Associação Nacional de Advogados e Juristas Brasil-Israel, Carlos Roberto Schlesinger, o ensino religioso não deveria existir em forma alguma; mas se existir, a única forma de se compatibilizar o caráter laico do Estado é a adoção do modelo não confessional. Ele disse acreditar que o apropriado ao país seria a adoção do ensino da história das religiões de forma a se ensinar o respeito à crença e à cultura do outro. 
O integrante da frente parlamentar que reúne 268 deputados federais e senadores, deputado Pastor Eurico (PSB/PE), manifestou-se favoravelmente ao ensino religioso, por “levar as pessoas a aprender mais sobre valores e relacionamentos interpessoais”.
Já o diplomata Luiz Felipe de Seixas Corrêa defendeu, em nome da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que o ensino religioso seja confessional. “Interpretar o ensino religioso como o da história das religiões não é compatível nem com a letra nem com o espírito da lei”, afirmou.
O consultor da Câmara dos Deputados Manoel Morais, por sua vez, criticou as posições “laicizantes”, que teriam viés ideológico, em contraposição aos movimentos pela laicidade. “O movimento laicizante é uma roupagem nova do positivismo comtiano, que tenta banir o ensino religioso das escolas públicas, à revelia da Constituição”, afirmou.
Já o professor de Direito Constitucional Daniel Sarmento, da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ, ao manifestar-se pelo ensino religioso não confessional, afirmou que existem cerca de 30 milhões de crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas que, quando a disciplina é ministrada por religiosos, estão expostas a visões dogmáticas e excludentes.
De acordo com ele, a mera possibilidade de o aluno se ausentar das aulas não é suficiente para garantir a liberdade de crença, em razão das pressões psicológicas, às quais crianças e adolescentes, como seres em formação, estão sujeitos.  Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
ADI 4.439
Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2015, 18h38

24 abril 2015

Conae-2014 pede escola pública laica

Reproduzo abaixo postagem do Observatório da Laicidade na Educação, sobre a posição da Conferência Nacional de Educação (2014) a respeito do "ensino religioso": em vez de aulas de teologia, dever-se-ia preservar a laicidade do Estado com disciplinas sobre cidadania e ética.

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CONAE-2014 PEDE ESCOLA PÚBLICA LAICA

TRECHOS DO DOCUMENTO FINAL DA CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, APROVADO EM 23/11/2014
Esse documento contém as deliberações da etapa nacional da 2ª Conferência Nacional de Educação - CONAE 2014, realizada no período de 19 a 23 de novembro de 2014, resultado de parceria entre os sistemas de ensino, os órgãos educacionais, o Congresso Nacional e a instituições da sociedade civil.
A etapa nacional da CONAE foi precedida por Conferências Preparatórias e Livres (digitais e/ou presenciais), iniciadas em novembro de 2012, a realização das Conferências Municipais e Intermunicipais realizadas no primeiro semestre de 2013 e as Conferências Estaduais e Distrital de Educação realizadas no segundo semestre de 2013. Esse processo de mobilização garantiu a participação de aproximadamente 1,9 milhões pessoas. A CONAE 2014 apresentou como tema O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração.
O documento final da CONAE 2012 já havia reivindicado educação pública laica, mas sem aprofundamento da questão. A de 2014, por sua vez, encarou esse tema tabu com disposição e clareza. Veja alguns trechos do documento final:
“A garantia do direito à diversidade na política educacional e a efetivação da justiça social, da inclusão e dos direitos humanos implicam a superação de toda e qualquer prática de violência e discriminação, proselitismo e intolerância religiosa. Para tal, a educação nos seus níveis, etapas e modalidades deverá se pautar pelo princípio da laicidade, entendendo-o como um dos eixos estruturantes da educação pública e democrática. A laicidade é efetivada não somente por meio dos projetos político-pedagógicos e dos planos de desenvolvimento institucionais, mas, também, pelo exercício cotidiano da gestão e pela prática pedagógica.”
“Assegurar o princípio de laicidade nos sistemas educacionais por meio das políticas públicas de ensino de acordo com a Constituição Federal de 1988.”
“Garantir a educação pública e laica, substituindo a disciplina de ensino religioso por ética e cidadania.”
“Elaborar pelo Conselho Nacional de Educação normatização nacional que estabeleça limites às manifestações religiosas em instituições educativas, visando proteger o princípio constitucional da laicidade, garantir o direito humano à liberdade religiosa e o de não professar nenhuma religião; coibir práticas proselitistas e de intolerância religiosa, racismo, sexismo, homofobia, lesbofobia, transfobia, discriminação contra pessoas com deficiências, entre outras; promover o exercício profissional de gestores educacionais e docentes, comprometido com a garantia de direito humano à educação de todos/todas, sem discriminação; e limitar a apropriação privada dos espaços educativos públicos por pessoas ou grupos vinculados a determinadas denominações religiosas.”
“Garantir a laicidade do Estado de acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos em conformidade com a Resolução CNE n° 01 de 30/05/12.”
Para acessar o texto integral do documento final da CONAE 2014, clique aqui

11 novembro 2011

CNE quer fim de acordo sobre ensino religioso com católicos

Afinal, um pouco de sensatez e espírito público e republicano nas ações relativas ao "ensino religioso".

Todavia, cumpre notar que esse debate é profundamente viciado, ao assumir-se que "religião" é necessariamente equivalente a "teologia". O ateísmo, o ceticismo - mesmo as diversas vertentes de deísmo -, além, é claro, dos humanismos - incluindo nominalmente o Positivismo - deveriam ser estudados nesse "ensino religioso"; por fim, discussões específicas sobre a tolerância e sobre a laicidade são necessárias.

Evidentemente que o ensino proselitista não é adequado para nada disso (além de ser imoral), nem os professores de modo geral são preparados para essas questões.

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Conselho quer fim de acordo sobre ensino religioso com católicos

Comissão do Conselho Nacional de Educação vai pedir ao Supremo Tribunal Federal que invalide tratado do governo com Vaticano

Priscilla Borges, iG Brasília | 11/11/2011 07:00

Texto:

Uma comissão de representantes do Conselho Nacional de Educação (CNE) vai se reunir, no próximo dia 22, com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Brito para discutir um tema espinhoso e polêmico: o ensino religioso. A oferta de aulas sobre o tema nas escolas públicas do País é obrigatória de acordo com as leis brasileiras. Na teoria, o conteúdo não pode professar dogmas de nenhuma religião e deve ser dado por professores das redes.

Na prática, as escolas não seguem as regras definidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Não há orientações claras sobre como o tema deve ser tratado, tampouco professores preparados para ensiná-lo. Quando a escola oferece ensino religioso, termina por fazer catequese de alguma religião – de modo geral as cristãs. Por conta dessas indefinições, os conselheiros criaram uma comissão que vai elaborar orientações nacionais sobre o assunto.

Depois de algumas reuniões com estudiosos – nenhum representante de religiões foi convidado a participar das discussões para que não ficassem tendenciosas –, os conselheiros decidiram ir além. Vão expor ao ministro Ayres Brito suas preocupações com um acordo estabelecido em 2009 entre o governo brasileiro e o Vaticano, no qual o Brasil concorda que o ensino religioso deve ser dado por representantes da Igreja Católica ou de outras religiões.

O ministro será responsável por analisar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da União contra esse acordo no ano passado. A ação defende que o STF suspenda a “eficácia de qualquer interpretação que autorize a prática do ensino religioso das escolas públicas que não se paute pelo modelo não-confessional” e não permita que representantes de qualquer religião sejam responsáveis por esse conteúdo nas escolas.

César Callegari, presidente da comissão que discute o tema no CNE, concorda com a PGR. “Estamos preocupados com os problemas que o acordo pode trazer. Devemos fazer de tudo para que a laicidade do Estado seja protegida”, afirma o conselheiro. Para ele, o acordo deve ser revisto. “Não se pode aceitar proselitismo no ensino religioso e esse conteúdo só pode ser dado por professores capacitados”, defende.

Segundo o conselheiro, o primeiro documento do CNE com orientações gerais sobre o tema está quase pronto. O texto, porém, só deve ser apresentado à sociedade, em audiência pública a ser marcada no início do ano que vem. Ele acredita que a sociedade ainda não resolveu um conflito que deveria ser a preocupação anterior a essa discussão sobre quem deve se responsabilizar pela educação religiosa das crianças: se a Igreja, as famílias ou as escolas.

“Mas não está na ordem do dia a possibilidade de uma revisão do texto da Constituição Federal, que determina a oferta de ensino religioso nas escolas. O que precisamos é garantir o cumprimento do que está na lei de maneira adequada”, analisa Callegari. Para ele, outro aspecto muito importante a ser definido é a garantia de outras atividades aos alunos que não desejarem assistir a essas aulas – eles não são obrigados a frequentar essas aulas.

Minorias atendidas

No Rio de Janeiro, onde lei municipal aprovada recentemente definiu a oferta de disciplina sobre o tema a partir de 2012, quem não quiser assistir às aulas de ensino religioso – que deverá contemplar as doutrinas católica, evangélica/protestante, afrobrasileiras, espírita, orientais, judaica e islâmica – será matriculado na disciplina Educação para Valores. Inicialmente, a medida valerá apenas para as escolas de turno integral.

Para Antonio Costa Neto, pesquisador do tema na rede pública do Distrito Federal, o mais importante é garantir que as minorias sejam atendidas nessas normas. Antonio diz que a diversidade religiosa afrobrasileira não é contemplada nas aulas, nem na formação dos professores, o que prejudica as ações para combate ao preconceito racial. Durante o mestrado, ele fez um levantamento nas escolas do DF e identificou que, assim como no resto do País, a abordagem do assunto ainda é confessional.

“Atuar com a disciplina ensino religioso no âmbito das relações étnico-raciais para combater o racismo é uma oportunidade muito boa de êxito. No entanto, as religiões afrobrasileiras não têm sido contempladas e os professores não recebem formação adequada”, lamenta. Por conta disso, Antonio abriu uma representação junto à Secretaria de Educação do DF para questionar como o tema está sendo tratado nas escolas da capital federal.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios também manifestou interesse no tema e pediu explicações ao governo local. Nenhum dos dois obteve respostas concretas ainda. O MPDFT pediu explicações à Secretaria de Educação no mês passado e aguarda a manifestação do órgão. Na opinião da promotora de Defesa da Educação do DF, Márcia da Rocha, esse é um tema importante, mas cujo debate ainda não foi amadurecido pela população. Ela acredita que a sociedade ainda não sabe se gostaria e que tipo de educação religiosa deve haver no País.