25 janeiro 2007

Impostos, Estado e... Positivismo?!

O artigo “Impostos e imposturas”, escrito pela Profª Maria Sylvia Carvalho Franco e publicado na Folha de S. Paulo de 25.1.2007, a respeito da necessária expansão da carga tributária para financiar o recém-anunciado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) merece algumas reflexões. De fato, conforme argumenta a autora, parece fazer sentido que um “Estado forte” – isto é, no sentido em que a autora entende a expressão, um Estado autoritário – exige uma pesada tributação sobre a sociedade, bem como parece clara a preferência do Presidente Lula por um Estado grande, pesado e devidamente aparelhado, com base em critérios ideológicos.
Todavia, algo chamou-me a atenção: a referência ao Positivismo, que é estranha, em diversos sentidos.
Em primeiro lugar, a autora afirma que o Positivismo influenciou de maneira decisiva o aumento do poder Executivo no Brasil, citando uma carta que Pierre Laffitte enviou a Benjamin Constant nos alvores da República, orientando-o a manter presidencialista o Estado brasileiro e evitando a ação parlamentar. O estranho é que não há relação entre, por um lado, esse conselho de Laffitte e, por outro lado, o aumento do poder Executivo e autoritarismos no Brasil. Afinal, (1) o Positivismo foi um dos grandes defensores do federalismo radical que vigeu no país entre 1889 e 1930, além de pregar um Estado “enxuto” e (2) ao contrário dos grupos liberais, de inspiração estadunidense, e dos variados grupos católicos – e por vezes em oposição a esses grupos –, os positivistas bateram-se resolutamente pelas liberdades públicas e sociais: liberdades de pensamento, de expressão, de organização; separação entre Igreja e Estado; legislação social: direito de greve, direitos indígenas, previdência social etc.
Em segundo lugar, na Filosofia Política de Augusto Comte o que se contrapõe ao Estado – que deve, sim, ser forte – não é o parlamento, supostamente “casa de representação do povo”, mas a própria sociedade civil. Para contrapor-se a um Estado forte, é a própria sociedade civil que deve ser forte – e a garantia disso é que haja uma rigorosa e escrupulosa separação entre Igreja e Estado, de modo que a sociedade civil possa efetivamente exercer a crítica à atuação do Estado. Parece-me fora de discussão que não cabe falar em “autoritarismo” em um projeto sócio-político desse tipo.
Em terceiro lugar, em seus comentários subjaz a idéia de que “Estado forte” é sinônimo de “Estado autoritário”. Não é necessário despender muito tempo comentando como essa afirmação é, na melhor das hipóteses, simplesmente gratuita.
Em quarto lugar, subjaz igualmente em seus comentários o pressuposto de que a existência do parlamento é garantia das liberdades públicas. A “pesquisa histórica”, todavia, não aponta correlação positiva entre parlamento e liberdades públicas: parlamentos podem coexistir com a inocorrência das liberdades públicas, com a coibição dessas liberdades e, de maneira oposta ao seu comentário, podem também ser a fonte de profunda corrupção política, econômica e social. Sem me deter em exemplos históricos, basta pensar na atual situação do Congresso Nacional brasileiro: pode-se com seriedade falar que ele favorece as liberdades públicas? Afirmar que a atual degradação do parlamento nacional é devida ao Presidente Lula não muda nada a (falta de) responsabilidade do Congresso Nacional.
Em quinto e último lugar, simplesmente não é razoável referir-se ao Positivismo para criticar o Presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores ou o recém-anunciado PAC: afinal, qual a relação entre aquele e estes? A resposta é simples e direta: nenhuma.
Assim, infelizmente, ansiosa em criticar nosso atual Presidente da República, a autora simplesmente repete os lugares-comuns e as distorções que as várias historiografias nacionais (liberal, católica e/ou marxista) difundiram sobre o Positivismo. Aliás, não por acaso, a autora vincula-se a correntes liberais e católicas.
No final das contas, é intelectual e politicamente desanimador constatar que uma “formadora de opinião”, querendo fazer uma crítica a políticas públicas, resolve "matar dois coelhos com uma cajadada" e baseia-se em mitos profundamente arbitrários para realizar essa crítica. Sinal da qualidade de nossos "formadores de opinião".

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