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18 março 2017

Gazeta do Povo: "Escola sem Partido, os evangélicos e a esquerda"

Artigo de minha autoria, publicado em 18.3.2017 na Gazeta do Povo, de Curitiba.

O original pode ser lido aqui.


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Escola sem Partido, os evangélicos e a esquerda

As discussões sobre o projeto “Escola sem Partido” têm sido marcadas por grandes mal-entendidos em parte acidentais, em parte propositais. Como não poderia deixar de ser, dificultam a compreensão dos sérios problemas ligados ao projeto.
Notemos à partida que o nome “Escola sem Partido” é enganoso. Ele foi proposto no Senado pela bancada evangélica, com apoio católico, supostamente para evitar o proselitismo político nas salas de aula. Mas, ao sair das generalidades, o projeto evidencia sua meta: ao afirmar uma preponderância das famílias na educação de crianças e adolescentes, deseja-se evitar que as escolas desempenhem o seu papel de esclarecimento e de transmissão do conhecimento. Mais especificamente: o que a bancada evangélica deseja é que nem a Teoria da Evolução nem temas de educação sexual sejam ensinados e que, em geral, todos os conhecimentos contrários ou polêmicos para a teologia (cristã) possam ser questionados e impedidos de serem apresentados. É a instrumentalização direta do Estado por denominações teológicas específicas para manipular os currículos. É o puro obscurantismo em ação.
A família é fundamental, não é todo-poderosa ou onisciente. A escola é a intermediária entre família e sociedade: transmite conhecimentos e também estabelece o convívio. Ela é uma etapa na vida coletiva e, assim, estabelece uma ruptura com a família. Caso vivêssemos presos ao âmbito familiar, nunca teríamos a vida política, ou o conceito de “público”, ou o Estado-nação, ou a noção de “humanidade” – apenas o despotismo paterno.
Por outro lado, muitos dos críticos do Escola sem Partido são – para dizê-lo com um eufemismo – ambíguos a respeito de suas motivações. É certo que o Escola sem Partido institui mais que um controle sobre os professores: quer um verdadeiro patrulhamento ideológico. Mas muitos dos que defendem a necessária e correta liberdade de cátedra defendem-na desejando, na verdade, manterem-se livres para o proselitismo político – sendo mais específico, o proselitismo político (quando não político-partidário) de esquerda.
O Escola sem Partido teve sua origem na chamada “direita”, em grupos liberais e neoliberais, dos moderados aos radicais. Tais grupos apresentam propostas desvairadas – o “Estado mínimo”, a intervenção militar –; mas, neste caso em particular, eles estão corretíssimos. Uma parte substancial do ensino fundamental e médio é política e ideologicamente enviesada, encarada como “espaço de disputa” política. A própria ideia de ensino “crítico” já evidencia a intensa politização do tema.
Nesse sentido, basta passar os olhos pelos livros de História e até de Geografia, quando não de Sociologia e mesmo de Filosofia. Noções como “luta de classes” e “burguesia versus proletariado” abundam. Isso vale para o ensino público e para o privado e, o que é pior, vige desde bem antes dos governos esquerdistas do Partido dos Trabalhadores.
Pode-se dizer que não existe ensino sem “ideologia”. De fato, o ensino não é nem tem como ser neutro. Mas não ser neutro não pode equivaler a doutrinação. O mesmo motivo que leva a rechaçar o projeto evangélico é aplicável à prática da esquerda. Se há valores a organizar o ensino fundamental e médio, que sejam universalistas e includentes – o humanismo, a ciência, a cidadania, a fraternidade e a preparação para o mercado –, e de maneira nenhuma o obscurantismo, a teologia e a revolução do proletariado.
Gustavo Biscaia de Lacerda é doutor em Teoria Política e sociólogo da UFPR.

23 janeiro 2017

Senado Federal examina fim da isenção tributária de igrejas

É absolutamente lamentável que o Senado Federal seja obrigado a examinar u'a medida dessas. 

Entretanto, essa necessidade decorre da atuação ainda mais lamentável, odiosa, degradante das igrejas - especialmente as igrejas evangélicas e também a católica - que usam essa isenção para enriquecerem às custas da miséria material, moral e filosófica de seus aderentes. E também para fazerem lavagem de dinheiro, para evadirem divisas e para não serem devidamente tributadas pelo fisco.

O original da notícia da matéria da Agência Senado encontra-se disponível aqui.

Logo após a notícia do Senado Federal, reproduzo um artigo de minha autoria, publicado na Gazeta do Povo em fevereiro de 2016, em que, a contragosto, apóio o fim da isenção tributária de igrejas. Mantenho essas posições exprimidas há quase um ano. O original encontra-se disponível aqui.

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Senado analisa sugestão de dar fim à imunidade tributária para igrejas

   
Da Redação | 23/01/2017, 11h37

Proposições legislativas

Está em análise no Senado a sugestão legislativa (SUG 2/2015) que pede o fim da imunidade tributária para entidades religiosas. Iniciada por uma internauta no portal E-Cidadania, a consulta obteve mais de 20 mil apoios e passou a ser analisada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). Se aprovada pela comissão, pode virar projeto de lei.
A sugestão é uma das mais populares em número de votos no portal. Até a tarde desta quinta-feira, havia recebido 95.577 votos a favor e 82.673 contra. Na comissão, o relator é o senador José Medeiros (PSD-MT). Ele recebeu a relatoria em outubro, após dois outros senadores designados para a tarefa terem devolvido o texto para redistribuição e outro ter deixado a CDH.
A ideia foi apresentada por Gisele Helmer, moradora do Espírito Santo. Publicada em março de 2016 no portal, a sugestão obteve o número necessário de votos (20 mil) em junho do mesmo ano.  A autora apontou os escândalos protagonizados por líderes religiosos. Além disso, argumentou que o Estado é laico e que qualquer organização que permite o enriquecimento dos seus líderes deve ser tributada.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)



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Tributação contra a imoralidade


Consideremos duas situações históricas. A primeira: quando da Proclamação da República no Brasil, em 1889, os positivistas tinham uma preocupação particular: garantir que o governo e o Estado não interferissem no chamado “poder espiritual” (as diversas religiões e igrejas) e nas liberdades de pensamento e expressão. O fundamento da ação do Estado é o uso da violência, mesmo que essa violência atue sob o amparo da lei; assim, o Estado pode interferir na liberdade de pensamento de diferentes maneiras, das quais duas mais óbvias são a censura e a imposição de currículos escolares específicos. Isso não é novidade e mesmo neste início do século 21 vemos como tais possibilidades são bastante concretas.
Mas outra forma de o Estado interferir na liberdade religiosa, menos evidente, é via tributação. Para pagar os impostos é necessário ter recursos; como o “poder espiritual” não gera riquezas, os impostos podem ser uma forma extremamente eficaz e simples de impedir que organizações da sociedade civil manifestem suas perspectivas. Foi levando em consideração essa possibilidade, também não desprezível, que os positivistas foram favoráveis à isenção tributária das igrejas, em uma regra que se manteve desde então.
Essas duas situações compõem a moldura histórica para o debate teórico-político que se apresenta atualmente no Brasil, em que se propõe a tributação de igrejas. Por que essa proposta? No Brasil, há uma situação consolidada há tempos e de que as igrejas – Católica e protestantes – se aproveitam, buscando, aliás, aumentar cada vez mais suas prerrogativas, com frequência sem entender que essa isenção é um gigantesco privilégio e sem se preocupar em fazer jus a ele. Vê-se proliferarem igrejas com templos cada vez maiores e ostentatórios, pregando o enriquecimento a qualquer custo e sendo proprietárias de enormes conglomerados comerciais, industriais, de serviços e financeiros; da mesma forma, sob as alegações mais estapafúrdias, auferem diariamente pequenas fortunas, cujos destinos, devido à isenção tributária, não podem ser controlados pelo governo (ou seja, com facilidade são canais para lavagem de dinheiro e evasão de divisas). Em outras palavras, a justificativa político-moral – e é disso que se trata aqui: de um problema político com um intenso fundamento moral – da isenção tributária perde intensidade, ou relevância, face à imoralidade da situação eclesiástico-religiosa brasileira.A outra situação é a da enorme e crescente riqueza material da Igreja Católica no fim da Idade Média. Recebendo donativos de seus fiéis, bem como tendo o apoio oficial dos governantes, os clérigos acumulavam cada vez mais bens, na forma de dinheiro ou de terras. Com isso, o clero tornava-se cada vez mais venal, preocupado mais com suas posses que com o bem-estar material e moral dos fiéis (que, por sua vez, eram em sua maioria pobres ou miseráveis). Contra tal estado de coisas levantou-se Francisco de Assis, que não por acaso defendeu a necessária pobreza do clero e fundou uma ordem religiosa mendicante. Como tal situação não se tenha modificado, a reação a ela foi um dos motivos para que, alguns séculos mais tarde, a Igreja Católica tenha sofrido um abalo mais sério, do qual jamais se recuperou e que foi o início da derrocada do monoteísmo no Ocidente: trata-se, é claro, do protestantismo, com as teses de Lutero.
É claro que as liberdades de pensamento e de expressão têm de ser preservadas, mas a imoralidade atual – que se agrava diante da crise financeira por que passa o país, que tende a piorar nos próximos anos – também tem de ser combatida com seriedade. Assim, um meio-termo é necessário, com várias medidas: fiscalização pública dos “rendimentos” eclesiásticos; tributação progressiva, com isenção para pequenas igrejas e índices crescentes para “rendas” maiores; proibição sumária de igrejas (e sacerdotes!) possuírem empresas de qualquer tipo. Por fim, proibição completa de que sacerdotes possam disputar cargos políticos.
Essas poucas medidas podem corrigir (ou evitar) alguns problemas seculares que o Brasil enfrenta. Irônico ou não, é necessário moralizar muitas (mas não todas) as instituições que, justamente, deveriam zelar pela moralidade pública e privada.
Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e pós-doutor em Teoria Política pela UFSC.

02 setembro 2014

Carlos Eduardo Oliva: "deve-se compreender melhor o Estado laico"

Reproduzo abaixo alguns comentários que meu amigo Carlos Eduardo Oliva fez em 1º.9.2014, a propósito da idéia de "laicidade" defendida por alguns grupos sociais e por alguns políticos. Essas observações foram feitas no facebook, mas seu valor transcende a imediatez dessa rede social.

O original pode ser lido aqui.

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O Estado laico nunca precisou ser tão melhor compreendido! Eu já havia notado isso desde 2010, quando conheci o Observatório da Laicidade do Estado, que hoje se tornou o Observatório da Laicidade na Educação

[O Deputado Federal] Jean Wyllys, por exemplo, fala em "Estado laico" basicamente quando quer reclamar dos evangélicos, e defender um Estado pluriconfessional (!) que, de laico, não tem nada! Afinal, um candidato que defende o Estado laico não votaria a favor do ensino religioso no Congresso, como ele fez bem recentemente. 

Mesmo os termos "fundamentalismo", "laicismo" e "laicidade" também têm sido usados para expressar o que nunca expressaram, como se "fundamentalismo" fosse sinônimo de neopentecostalismo, "laicismo" de radicalismo na defesa da laicidade (um viés ateísta) e "laicidade" a defesa de um Estado pluriconfessional. A maneira como hoje se busca relacionar evangélicos a "fundamentalismo", a racismo e a machismo, como se a cultura brasileira só passasse a ser "fundamentalista", racista e machista quando passou a ser marcada por essa expressão religiosa, é de uma grande má-fé. E nada se diz dos católicos nos bastidores da política, garantindo atraso em pesquisas científicas, retrocesso na ampliação da cidadania das mulheres e seguidores de religiões de matriz africana, obstacularização dos direitos sexuais e reprodutivos. Critica-se muito os evangélicos no proscênio, de onde é até melhor controlá-los, e nada os católicos nos bastidores: isso é defender a laicidade? O Estado laico nunca precisou ser tão melhor compreendido!

01 julho 2012

Notícia sobre o projeto de lei impondo a oração nas escolas de Apucarana


O vínculo original da matéria está aqui.

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Vereadores de Apucarana decidem se crianças serão obrigadas a rezar o Pai-Nosso antes da aula

01/07/2012 - 16h19
Fernando César Oliveira
Repórter da Agência Brasil
Curitiba – A Câmara Municipal de Apucarana (PR) analisa na sessão desta segunda-feira (2), em segunda votação, projeto de lei que pretende instituir a oração diária do Pai-Nosso em todas as escolas da rede municipal. "Nos horários de entrada das primeiras aulas de cada período, nos estabelecimentos oficiais de ensino da rede municipal, deverá ser realizada a oração universal do Pai-Nosso", diz o projeto, aprovado em primeira votação, por unanimidade, no último dia 25.
Autor da proposta, o vereador José Airton Araújo (PR), que ainda trabalha como vendedor ambulante e é conhecido como Deco do Cachorro-Quente, argumenta que a ideia reduziria os índices de violência e os casos de agressões de alunos contra professores. "Com uma oração, a criança já entra na sala de aula mais tranquila", justificou o parlamentar, em entrevista à Agência Brasil.
Localizada na região norte do Paraná, a 370 quilômetros de Curitiba, Apucarana tem 11 vereadores. O regimento do Legislativo municipal prevê três votações para um projeto ser aprovado. A reportagem daAgência Brasil apurou que, desde 2009, há uma lei sobre o mesmo tema em vigor na cidade. A legislação, porém, parece ser desconhecida pela maioria da população da cidade e não vem sendo cumprida.
Trata-se da Lei Municipal 217/2009, que obriga os professores da rede municipal a ministrar, em sala de aula, a leitura diária de um trecho da Bíblia, de livre escolha, seguida de uma oração. A lei também é de autoria do vereador José Airton. "Essa lei só existe no papel", diz Clotilde Corrêa Gomes, professora de inglês e português em Apucarana. Outras pessoas ouvidas pela reportagem também revelaram que sequer tinham conhecimento acerca da lei em vigor.
Questionado, o vereador Deco negou que a norma esteja sendo ignorada. Em defesa de seu novo projeto, o parlamentar, que é membro da igreja Assembleia de Deus, elogia o conteúdo da oração especificada em sua proposta. "A oração do Pai-Nosso é universal, não é só dos católicos e evangélicos", alega José Airton. "Ela é perfeita, um testemunho de vida em cada palavra."
A professora é contra a medida. "Acho um absurdo. Ao instituir uma oração estritamente cristã, o projeto tira o direito das crianças que vêm de famílias de outras crenças, como umbanda, candomblé, budismo, espiritismo, ou ainda das que não têm religião alguma", diz Clotilde. "É uma intimidação, uma forma de bullying."
Mãe de dois alunos que frequentam escolas de ensino fundamental em Apucarana, Alexandra Deretti concorda com a professora. "Eu sou católica, mas sou contra uma imposição desse tipo."
Apucarana tem cerca de 120 mil habitantes e pouco mais de 58,5 mil estudantes matriculados em escolas públicas e particulares. O Núcleo Regional da Secretaria de Estado da Educação já se pronunciou dizendo que as escolas não devem adotar propostas que contrariem a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação.
"A gente até entende as boas intenções do vereador, mas não cabe ao Estado impor valor religioso algum. A proposta tende a aumentar a intolerância", avalia Gustavo Biscaia de Lacerda, sociólogo da Universidade Federal do Paraná. "Também é questionável estabelecer relação de causalidade entre religião e violência, já que a quantidade de pessoas presas e que são adeptas de alguma religião não é pequena."
A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos informou que pretende denunciar o caso ao Ministério Público do Paraná. No último mês de abril, o Tribunal de Justiça da Bahia derrubou uma lei similar aprovada na cidade de Ilhéus, com o argumento de que se tratava de proselitismo religioso, o que é inconstitucional.
Em março deste ano, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou procedente um pedido de retirada dos crucifixos dos prédios da Justiça gaúcha. "A laicidade é a garantia, pelo Estado, da liberdade religiosa de todos os cidadãos, sem preferência por uma ou outra corrente de fé", diz trecho da decisão. "O Estado não tem religião. É laico. Assim sendo, independentemente do credo ou da crença pessoal do administrador, o espaço das salas de sessões ou audiências, corredores e saguões de prédios do Poder Judiciário não podem ostentar quaisquer símbolos religiosos."
Edição: Lana Cristina