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27 abril 2020

Negação da realidade via mistificação parlamentarista


“Se estivéssemos no parlamentarismo, Bolsonaro já teria caído”. Essa frase impressiona, mas é mera mistificação parlamentarista e, sendo mistificação, não nos ajuda em nada.

Hitler foi primeiro-ministro alemão no parlamentarismo durante 12 anos. Sua insanidade era visível para quem quisesse ver e teve um custo altíssimo, não apenas para suas vítimas mas também para o povo alemão de modo geral. Como se sabe, Hitler não “caiu” – e muito menos por virtude do parlamentarismo –; ele matou-se quando percebeu que não tinha mais futuro nenhum.

A Itália, como se sabe, tem primeiros-ministros com mandatos menores que um ano, desde 1945!

A Inglaterra parlamentarista, após aprovar em referendo a tolice nativista e xenófoba do Brexit, teve que fazer três ou quatro eleições gerais em dois anos para que o grupo no poder e favorável ao Brexit conseguisse elaborar internamente uma proposta aceitável por esse mesmo grupo no poder e favorável ao Brexit. Em outras palavras, o parlamentarismo criou e alimentou uma crise burra que durou mais de dois anos e, agora, esse mesmo parlamentarismo corre atrás da reversão prática do Brexit.

Israel – um país parlamentarista – vive uma crise de governabilidade semelhante à da Inglaterra parlamentarista.

Assim, surgem as perguntas: onde estão as apregoadas virtudes de responsabilidade e estabilidade, misticamente atribuídas ao parlamentarismo? A resposta é clara: o parlamentarismo não é nem estável nem responsável.

Em suma: o problema não é o presidencialismo, é o Presidente (e também o descrédito geral da política, em grande parte causada pelos mesmos políticos que sempre defenderam o parlamentarismo, como Aécio Neves, ou que sempre se esconderam atrás do parlamento, como o atual Presidente).

Dito isso, é importante notar que insistir na tolice do parlamentarismo – que, aliás, para ser implantado, teria que ser via (mais um) golpe – é fazer um desserviço para o país, atrapalhar os debates nacionais e, por tudo isso, ajudar o fascismo nacional.

Ao contrário do que dizem os defensores-mistificadores do parlamentarismo (e, em menor proporção, da monarquia), o presidencialismo é o verdadeiro regime de responsabilidade e responsabilização política. Basta minimamente não ser um fanático para perceber-se com clareza que Jair Bolsonaro é um incompetente e um irresponsável; não por acaso, ele é um produto acabado do parlamento e do parlamentarismo, onde sempre pode esconder-se e esconder sua podridão moral e sua insignificância política atrás de 512 outros deputados.

29 outubro 2011

Produtividade parlamentar e legitimidade política

Artigo publicado em 28.10.2011, na Gazeta do Povo (Curitiba); disponível aqui:

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Sábado, 29/10/2011
OPINIÃO DO DIA 2

Produtividade parlamentar e legitimidade política

Gustavo Biscaia de Lacerda
Publicado em 28/10/2011
É no controle dos atos do governo que os par­­lamentos assumem sua grande relevância. A fiscalização do dia a dia governativo garante a lisura político-administrativa ou, pelo menos, diminui os casos de desvio
Para que servem os parlamentos? Essa pergunta pressupõe uma série de considerações e suas respostas, embora não necessariamente simples, tem as mais diferentes consequências. Além disso, ela se refere a concepções difusas e arraigadas, por vezes contraditórias; assim, não é uma discussão fácil nem simples; ao mobilizar paixões, pode rapidamente se degenerar.
Em todo caso, podemos tentar uma resposta indicando três ou quatro funções para os parlamentos, percebidas como “clássicas” pela teoria política: 1) fonte de legitimidade política; 2) contrapeso político e institucional aos outros poderes; 3) fiscalização dos atos públicos; 4) elaboração de leis.
As duas primeiras estabelecem, em linhas gerais, que os parlamentos representam “o povo” por meio da eleição (direta ou não) e, daí, têm legitimidade para governar. A partir dessa origem, os parlamentos podem (ou devem, dependendo de quem fala) atuar como um contrapeso aos demais poderes, em particular ao chamado “Poder Executivo”, isso é, ao governo, a fim de evitar os abusos do poder. O parlamento como fonte da legitimidade política sugere a sua supremacia sobre os demais: é a ideia de Locke; o parlamento como contrapeso aos outros sugere a equivalência mútua, atuando em oposição ou em complementaridade uns com os outros: é o que propuseram Montesquieu e os “federalistas” dos EUA (Hamilton, Harrison e Jay).
Em todo caso, todos reconhecem que o parlamento não é o governo: o governante possui uma instituição diferente, com poderes específicos – limitados, sem dúvida, mas é a ele que compete a iniciativa política e administrativa. Nesse sentido, afirmar o parlamento serve mais para limitar os poderes do governo que para constituir um órgão de mando.
Ora, desse modo, é no controle dos atos do governo que os parlamentos assumem sua grande relevância. A fiscalização do dia a dia governativo garante a lisura político-administrativa ou, pelo menos, diminui os casos de desvio. Em particular, como afirmava Augusto Comte, o grande instrumento de controle sobre o governo é a votação do orçamento, com o exame dos gastos passados e a discussão dos gastos futuros.
Todavia, os parlamentares têm de ser eleitos e para isso têm de se mostrar visíveis e supostamente representativos de demandas locais e particulares. A fiscalização do governo, especialmente a orçamentária, é um assunto técnico, enfadonho e de gabinete: quase que por definição não gera visibilidade; da mesma forma, os debates orçamentários – em que as perspectivas sociais são confrontadas, afirmadas e/ou negadas – são mais ou menos breves, durando poucos meses a cada ano.
A produção de leis acaba se tornando o instrumento prático de visibilidade parlamentar. Como a quantidade de parlamentares é sempre grande e suas decisões, de modo geral, podem ser vetadas pelo governo, qualquer parlamentar pode propor leis e projetos inócuos sabendo que sua eventual derrota pode ser atribuída a “interesses ocultos” ou à mesquinhez dos governantes. Como não há critérios objetivos para se aferir a legitimidade de um parlamentar e justificar os custos financeiros com o parlamento, a proposição de leis é um dos principais parâmetros para avaliar-se a “representatividade” parlamentar, por mais inócuas, paroquiais, tolas que sejam essas propostas. E, como se sabe, isso ocorre nos três níveis (federal, estadual e municipal), piorando de cima para baixo.
Pode-se afirmar que esse é o jogo democrático e esse é o custo da democracia. Todavia, essa ideia equivale a dizer que a democracia autoriza a leviandade – o que é o oposto de qualquer conceito digno de “cidadania”. Deixando de lado o custo financeiro – que os escândalos de corrupção nos últimos anos têm tornado cada vez maiores –, o fato é que esse jogo da “produtividade parlamentar” é autodestrutivo, pois mina a legitimidade política.
Gustavo Biscaia de Lacerda é doutor em Sociologia Política e sociólogo da UFPR. E-mailgblacerda@ufpr.br